Amiga da onça e de vários outros bichos

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Sei que em uma turma grande de amigos há sempre um ou outro que tem um parafuso a menos. Acontece que na minha turma NINGUÉM é normal. Mas não mesmo!
O que dizer de amigas que se tratam carinhosamente por "vacas", mas no sentido literal da palavra, o bicho ruminante que faz muuuu?
Tenho uma amiga que tem um morcego morando na janela, uma amiga que me disse, ainda hoje, que "se ansiedade fizesse nascer pêlo, ela seria um orangotango" e uma amiga que guarda todo e qualquer guardanapo na bolsa, para não desperdiçar o papel que matou algumas centenas de pobres árvores (com essa sou obrigada a concordar). Tenho também um amigo que botou fogo no meu cabelo e um namorado que imita o Olivier Anquier, na cozinha.
Mas nada, nem ninguém, se compara à minha amiga Vanilda - de onde surgiu o verbo vanildar.
Vanilda é daquelas criaturas tão boas de espírito, que leva as nossas brincadeiras ao pé-da-letra, com sua sabedoria de criança que cresceu antes do tempo.
Na época do colegial, diziam que ela tinha nascido de 18 meses. O irmão fazia coleção de unhas cortadas em um potinho de filme e a mãe dela, - uma francesa que adotou o Brasil para morar - acreditava que lagartixas eram jacarés bem pequenininhos. Miniaturas de jacaré.
Bichos, aliás, eram a diversão da família. Um vez, estávamos todas na casa de Vanilda, era noite e resolvemos ficar dentro de casa, pois alguns morcegos sobrevoavam o quintal. Quando a mãe de Vanilda nos perguntou por que não estávamos na piscina, e respondemos que os morcegos estavam lá, ela perguntou, com muita tranqüilidade, se eles estavam nadando.
Mas o verbo vanildar não vem daí. Vem do fato da Vanilda sempre falar a coisa certa no lugar errado e vice-versa.
Certa feita, Vanilda encontrou uma amiga que fazia aniversário e tinha tido a foto publicada na coluna social do jornal da cidade. Feliz por ter a oportunidade de comentar o fato, ela me sai com o elogio "nossa, mas você saiu tão bonita na fotografia" seguido de um "nem parecia você", que provavelmente acabou com a festa da garota.
Para ela, o Pacato, tigre do príncipe Adams, se transformava no Velho Guerreiro, no desenho do He-Man, e aquele filme lindo com o Johnny Deep era o "Edgard Mãos de Cenoura". Mas tudo isso afirmado com muita seriedade e categoria. Lembrar nomes não era mesmo a sua especialidade: um menino que a gente chamava de Gato Seco era para ela o Gato Preto e acho até foi por um castigo felino que uma vez ela foi atacada por uma gata. Ficou toda arranhada. Lembro que a gente cantava, nessa época, o "Atirei o pau no gato", mas com o ritmo de "Another brick in the wall", do Pink Floyd, porque a gente sempre gostou de rock'n'roll.
Vanilda só tem tamanho - coisa que falta em mim. Um dia de junho, um amigo muito empolgado com as comemorações da festa junina resolveu atirar uma bombinha nos nossos pés, no intervalo das aulas. Quem adivinhou que ela arrancou um chumaço do meu cabelo com as mãos enquanto berrava acaba de ganhar um saco de 7 Belo. E se alguém conseguir imaginar a figura dançando ballet, tem que imaginar também a Vanilda fazendo o sinal de jóia para um amigo na platéia (o incendiário que pôs fogo no meu cabelo).
Quando começamos a crescer, ela foi a única amiga minha que jogou pedras na casa do garoto que paquerava. Mas, em compensação, eu fui a única que colocou uma faixa com alguns versos de uma música do Cazuza na frente da casa do menino por quem estava apaixonada. Quero dizer, eu mesma não coloquei. Apenas tive a idéia e pedi para duas amigas colocarem. Uma delas foi a Vanilda. No meio de todo o meu nervosismo, com o coração palpitando de emoção, lembro dela sentada no meio da rua escura, com a faixa na mão, um banquinho na outra, rindo muito até com vontade de fazer xixi, enquanto a outra amiga (que vai ter um capítulo à parte nesse blog, aguardem) tentava arrastá-la para cumprirem a missão e eu implorava, atrás de uma moitinha, para que elas terminassem com aquilo porque o menino ia chegar e pegar as duas em cima do banquinho, amarrando o pedaço de pano na árvore e eu ia ser descoberta no meu esconderijo, com o coração aos pulos, e lá se ia o meu segredo de liquidificador.
Vanilda também foi a amiga que dividiu um choro muito triste por termos perdido nossas cachorrinhas de estimação. E, de nós, foi a que levou os bichos mais a sério porque todas as meninas queriam ser veterinária, ou ter uma fazenda para colocar todos os vira-latas das ruas, mas só ela estudou Biologia de verdade.
É por essas e outras que a gente sente tanta saudade dela. E que fiz questão de escrever sobre essas lembranças dos tempos tão legais que passamos juntas.

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