Uma vida para a dança

|
Morreu ontem, aos 81 anos, o primeiro professor de ballet que tive quando me mudei para São Paulo. Ismael Guiser foi professor da minha mãe também, na época do Ballet do Quarto Centenário, que trouxe esse argentino como solista para São Paulo que aqui fundaria sua escola, tendo sido uma das figuras mais atuantes no mundo da dança dos últimos tempos.
Em qualquer festival, em qualquer audição, lá estava ele, olhinhos atentos, cara fechada. Mas só nesses momentos. Nas suas aulas eu gostava de rir por dentro das brincadeiras feitas com qualquer um, dos primeiros-bailarinos, às novatas que entravam com medo em sua sala espaçosa, pianista sempre a postos, o professor não deixando passar uma piscadela fora do lugar.
Quando eu soube da notícia, ontem à noite, tinha acabado de dançar e ganhar o primeiro lugar em um concurso de ballet. Mas no lugar de tanta alegria ficou um suspiro profundo, certamente compartilhado por gerações e gerações de bailarinos que aprenderam muito com o mestre Ismael.

A voz do silêncio

|

Pior do que a voz que cala,
é um silêncio que fala.

Simples, rápido! E quanta força!

Imediatamente me veio à cabeça situações
em que o silêncio me disse verdades terríveis,
pois você sabe, o silêncio não é dado a amenidades.
Um telefone mudo. Um e-mail que não chega.
Um encontro onde nenhum dos dois abre a boca.

Silêncios que falam sobre desinteresse,
esquecimento, recusas.

Quantas coisas são ditas na quietude,
depois de uma discussão.
O perdão não vem, nem um beijo,
nem uma gargalhada
para acabar com o clima de tensão.

Só ele permanece imutável,
o silêncio, a ante-sala do fim.

É mil vezes preferível uma voz que diga coisas
que a gente não quer ouvir,
pois ao menos as palavras que são ditas
indicam uma tentativa de entendimento.

Cordas vocais em funcionamento
articulam argumentos,
expõem suas queixas, jogam limpo.
Já o silêncio arquiteta planos
que não são compartilhados.
Quando nada é dito, nada fica combinado.

Quantas vezes, numa discussão histérica,
ouvimos um dos dois gritar:
"Diz alguma coisa, mas não fica
aí parado me olhando!"

É o silêncio de um, mandando más notícias
para o desespero do outro.

É claro que há muitas situações
em que o silêncio é bem-vindo.
Para um cara que trabalha
com uma britadeira na rua,
o silêncio é um bálsamo.
Para a professora de uma creche,
o silêncio é um presente.
Para os seguranças de um show de rock,
o silêncio é um sonho.

Mesmo no amor,
quando a relação é sólida e madura,
o silêncio a dois não incomoda,
pois é o silêncio da paz.

O único silêncio que perturba,
é aquele que fala.

E fala alto.

É quando ninguém bate à nossa porta,
não há e-mails na caixa de entrada
não há recados na secretária eletrônica
e mesmo assim, você entende a mensagem.

Esmeralda

|

É nisso que me transformo depois da meia-noite.