Inferno astral

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Hoje acordei ensolarada, a despeito da chuva que caía lá fora. Acho que um reflexo inusitado dos últimos acontecimentos que marcaram o comecinho desse período tenebroso chamado inferno astral.
O mais engraçado de tudo é que teve perrengue pra caramba. Claro, num ano medonho como 2009 se apresentou, não podia ser diferente. E a reclamação é geral. Com a tal da crise econômica, quantas outras crises não se instauraram dentro de nós?
Mas ao mesmo tempo, e o que tem verdadeiramente me deixado feliz, é fato de saber lidar com probleminhas e problemões.
Eu sempre fui uma pessoa exagerada. Chorona. Mas hoje uma ternura imensa me invade e não tenho mais vontade de gritar nem "debuiar" aos prantos quando uma coisa ruim me acontece. Dizem que é a tal maturidade. Hoje eu olho por todos os lados, paro, penso e fico procurando soluções que eu sei que existem. Sim, porque esta é uma verdade: existe sempre um jeito.
E no fim das contas não conheço ninguém que não tenha pessoas maravilhosas à sua volta. Eu tenho.

#poesiaday

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CONSOLO NA PRAIA

Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.
Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o 'humour'?
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.

Carlos Drummond de Andrade

Epígrafe

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Em julho, recebi um comentário aqui no blog que precisou desse tempo todo para ser respondido. Porque ele foi verdadeiramente importante para mim.
Eu havia publicado um texto da Martha Medeiros, que você pode ler aqui. E ele começa com um verso de Nei Duclós:

Nenhuma pessoa é lugar de repouso.

Acontece que quando colocamos uma epígrafe em um texto é sempre bom tentar buscar não somente palavras que caibam no nosso texto, mas também o sentido daquilo tudo. E, às vezes, textos curtos ficam descontextualizados, mesmo que, aparentemente, façam todo o sentido.
O próprio Nei comentou no Diário, e por isso fiquei tão feliz. E aqui, finalmente, podemos saber com exatidão tudo o que ele quis dizer com as palavras que abriam o texto de Martha:

"O repouso do verso nao é a paz de espírito, a sintonia tranquila entre duas pessoas. O repouso do verso é a acomodação, a preguiça, a mesmice. Esse repouso é traiçoeiro. Portanto, nao caiam tanto na tentação de contrariar o verso, porque eu jamais quis dizer o que é atribuído ao poema. A poesia é um alerta para a imobilidade das relações amorosas e não uma celebração da irresponsabilidade. Digo isso porque essa interpretação é repetida dez bilhões de vezes sem que de chance ao autor e ao poema, de que o sentido seria outro. Ninguém se toca. Como pode? E será que as pessoas vão mudar a percepção depois dessa argumentação? Ou vai ficar por isso mesmo, numa insistência de dar dó? Abs. Nei Duclós."

Sim. Eu vejo claramente a diferença. Eu a sinto agora mesmo.
Obrigada, Nei.