Fome!

|
Eu tenho fome. Sim. E, muitas vezes no meu dia, não é a fome do corpo. É da alma.
Tenho fome de gostos que ainda não experimentei e de lugares que não visitei. Tenho fome de aventuras, fome de vida.
Quanto à comida mesmo, tenho alguns desejos banais, como o de agora, de comer pão com presunto e queijo. Mas aquele pão de festa de aniversário de gente grande, que não sei o nome. Um pão fofinho, nem doce nem salgado.
Fome. Vácuo.
Eu acho que ando muito contida nas minhas vontades e isso deve ter um lado bom. Não é assim? Quando a gente controla a fome, não emagrece? Mas, cá entre nós, não quero emagrecer na alma, não. E por isso fico revoltada de segurar meus instintos e minha vontade enorme de berrar que tenho fome porque ando sentindo falta de muitas coisas.
Vou jantar. Quem sabe passa.

Diagnóstico de uma geração

|
Fico me perguntando às vezes se estou realmente passando por um momento histórico na grande história do mundo. Tipo uma revolução industrial, só que agora tecnológica ou das comunicações.
Será que os caras que viveram na Inglatera do século 18 se deram conta, naquele momento, que o mundo nunca mais seria o mesmo ou eles simplesmente acordavam, iam trabalhar, cuidavam dos filhos, da casa e pensavam "nossa, que dia!", doidos para o fim de semana chegar e poder dar aquela bodeada no sofá?
Ao mesmo tempo em que posso estar sendo testemunha ocular de uma coisa que nunca mais vai se repetir, essa grande revolução consome todo o nosso tempo de saborear o momento. Tudo é um paradoxo. Ao menos hoje sei disso. E taí um bom começo.

O filme 'We All Want to Be Young' é o resultado de diversos estudos realizados pela BOX1824 nos últimos 5 anos e retrata bem nosso zeitgeist. A BOX1824 é uma empresa de pesquisa especializada em tendências de comportamento e consumo.

As cidades e o mundo

|
Cheguei de férias há algumas semanas e de fato elas me fizeram muito bem, como sempre. É muito bom viajar, é ótimo chegar em casa e cuidar das coisas com mais tempo também.
Acho que sair um pouco da rotina e ir a lugares por onde você nunca andou são coisas milagrosas. Quando você viaja, uma das coisas mais bacanas que acontecem é o aguçar dos sentidos. Os olhos ficam prontos e buscam cores diferentes. O cheiro e o sabor das coisas são outros. As texturas, os ruídos.
E acho que voltei um pouco assim para o meu Brasil, bem no auge das eleições para presidente. Sem fazer nenhum tipo de política, eu vi muita coisa legal, muita brincadeira engraçada e gente verdadeiramente envolvida com a coisa. Mas eu vi muita brincadeira preconceituosa, machista, sexista e racista também. Se tem uma coisa que me irrita de verdade é ver brasileiro falando que mal do próprio país, das pessoas aqui. Coloco no mesmo time das pessoas que falam mal dos americanos, dos franceses, dos italianos. Não existe um povo ruim. Existem pessoas e existem diferenças. Chatos de verdade são aqueles que não querem conviver com isso. Para essas pessoas, recomendo ir morar no Polo Norte, num iglu, nunca mais comer macarronada, nem usar perfume francês ou ouvir músicas americanas.



Souvenir de Buenos Aires para meus leitores. Fotinho tirada por mim.

A letra A

|
"O que os outros pensam da sua vida não é da sua conta". É com essa afirmação, tirada de uma bem-humorada lista de conselhos para a vida, que começo o post que vai tirar o pó do Diário.
Quando eu sumo daqui, geralmente isso significa que a minha vida está uma correria. E geralmente porque a correria me impede de pensar. Acontece isso com você também? De ter tanta, mas tanta coisa para fazer que deixa passar batido um bom livro, um bom filme. Ou horas de reflexão (vai, minutos que sejam) porque a vida urge lá fora e as pessoas estão sempre esperando por você.
Claro que em outros momentos vem a vontade de não pensar. De ler Caras descaradamente no salão de beleza. Dar mais importância para o site Ego do que para as eleições, porque sua cabecinha já fez muitos planos para salvar o mundo ou você ainda está se recuperando do maior baque da sua vida e só quer saber de não pensar.
Bom, mas passadas as opções 1 e 2 aí de cima, eu declaro ao mundo que voltei ao normal. Meu plexo solar está em equilíbrio e recomecei a respirar antes de sair chutando mais que Van Damme em dia de tocaia. E com isso veio a vontade de ler e assistir a bons filmes. E a pensar sobre eles.
Juliet Nua e Crua está no criado-mudo esperando acabar Doidas e Santas. E o ótimo El Secreto de tus Ojos, filme argentino vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro de 2010, me trouxe até aqui.
Atenção, os próximos parágrafos contêm spoilers (e essa afirmação contém ironia).
Benjamin, vivido pelo ótimo Ricardo Darín, é um oficial de justiça aposentado que decide escrever um romance sobre um caso que investigou em 1974. Trata-se do assassinato de uma jovem e da incansável busca pelo assassino, localizado por um olhar em uma antiga fotografia. Quando Benjamin decide colocar a história no papel, reencontra Irene, sua ex-chefe e companheira de trabalho. E ela lhe dá uma antiga máquina de escrever, que não grafa a letra A no papel.
É sobre isso que eu quero falar aqui e, se você ainda não viu o filme, saia da internet, procure-o imediatamente e todos ganharemos com isso. Benjamim e Irene têm uma história de amor bem mal resolvida. Daquelas de dar raiva e de a gente ficar se perguntando o tempo todo por que ninguém fez nada ali. Por que ele nunca disse que a amava? Por que ela se casou? Por que ele foi embora? Por que ela deixou? Todos os elementos de uma grande vida a dois estavam ali e eles nunca fizeram nada por ela.
Mas é aí que eu entro com o meu pensamento e alguma experiência no setor que a vida me trouxe. O amor que a gente busca é danado da vida. Quer garantias. E isso represa um monte de sentimentos que poderiam ser vividos e não são. Mas, ao mesmo tempo, um certo medo e cuidado, com uma coisa que sabe-se ser especial, torna tudo menos banal. Por medo a história não é vivida, mas é preservada.
Eu já vi isso acontecer. Acho que quando a gente é adolescente e faz qualquer negócio porque tá a fim de um carinha, na verdade está vivendo mais para o drama do que por uma pessoa real. Ao contrário, quando a gente ganha alguma maturidade, tem medo de perder alguém que se ama muito, e o preço disso é deixar passar, até que um dia a coragem chegue ou então que tudo vire filme, música, um post no blog.
Quando eu estava no colegial, dois amigos meus eram também muito amigos entre eles. Um menino e uma menina que gostavam de fazer tudo juntos. Um dia ele se declarou para ela. Acabou. Nem amigos eles conseguiram ser mais. Foi muito triste. Comigo já aconteceu o contrário, que atire a primeira pedra quem nunca teve medo dos seus próprios sentimentos.
Voltando a falar da velha máquina de escrever e contando aqui o final do filme, em uma madrugada Benjamin acorda e escreve em um papel em branco o que a gente julga ser seu sentimento mais forte em relação a Irene:

TEMO.

Mas lembrem-se: a velha Olivetti não grafava a letra A.

Praça dos Cachorros

|
Taí um lugar que eu adoro frequentar. Essa praça fica na frente da entrada principal do Parque Villa-Lobos, na zona oeste de São Paulo.
É perto da minha casa e Miss Piggy adora. Não sei se tem um horário de funcionamento estabelecido, mas no fim de semana os donos de cães (sempre muito bem comportados) levam seus bichos, de todas as raças, tamanhos e credos para ficarem soltos e interagindo por lá.
Como é um local cercado, o único perigo são os pequenos portões nas laterais, que costumam atrair labradores curiosos com a rua. Isso aconteceu no último sábado, mas todo mundo conseguiu trazer a bela fêmea para dentro de novo. Um susto. Para minha sorte, a corridinha gorda da Piggy no máximo me faz passar duas ou três vergonhas quando ela cisma com algum desafeto.
Nesse sábado estávamos lá, perdidos entre as brincadeiras e "malinducações" dela, quando um casal de meia-idade para mais passou pela gente, como sempre para falar sobre a raça e a cor da Piggy. A mulher contou que eles tinham uma sharpei, que tem a mesma origem dos pugs, chinesa. E que ela tinha morrido havia três ou quatro meses, não me lembro ao certo. O marido disse que eles costumam ir ao parque para matar a saudade da companheira de 12 longos anos. Ficamos sem palavras naquela hora. Mas agora confirmo meu pensamento de que as pessoas que gostam de animais são melhores seres humanos.


Seja um ser humano melhor. Vá à Praça dos Cachorros.

Casa nova

|
Ufa! Faz um bom tempo que não trato o Diário como diário. Graças à fada da inspiração, no momento em que batizamos esse espaço, tratamos de incluir o ", mas nem tanto" no nome, que indicaria nossa total falta de compromisso tempo com o blog.
É que já temos problemas suficientes em nossas míseras vidinhas para ter que dar mais uma satisfação eletrônica, não?
E no meio de tanta coisa surgiu o Twitter. Que é uma forma reduzida de dar as caras. Tipo quando você não quer falar no telefone com alguém e manda um SMS.
Na verdade, estou passando para registrar que mudei de casa. Yes! Vida nova, que demorou tanto tempo para acontecer. Eu fiz um balanço dos meus últimos anos e, se espremer bastante, não sai muita coisa boa deles, não. Quer dizer, para o cidadão que vive na média e que tem aqueles planos bobos de casar, comprar casa e carro do ano, não fui exemplo. Mas tem tanta coisa boa do lado de dentro. Verdade! Eu tô muito mudada, é o máximo que consigo explicar. Deixei alguns medos no passado e simplesmente aceitei minha condição de pessoa que não é um ponto final. Mas muitas vírgulas, algumas exclamações e trocentas interrogações.
E deixando a filosofia barata de lado, eu queria mesmo é vir contar que apesar de todos os pesares (e da torcida contra - caramba, isso existe) eu tenho uma casa com um jardim! Não posso ser mais feliz hoje.

Stuff no-one told me

|

Clica!

Divã

|
Se não era amor, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não se sabe se vai ser antes ou depois de se chocar contra o solo. Eu bati a 200 km por hora e estou voltando á pé pra casa, avariada.
Eu sei, não precisa me dizer outra vez. Era uma diversão, uma paixonite, um jogo entre adultos. Talvez este seja o ponto. Talvez eu não seja adulta o suficiente para brincar tão longe do meu pátio, do meu quarto, das minhas bonecas. Onde é que eu estava com a cabeça de acreditar em contos de fada, de achar que a gente muda o que sente, e que bastaria apertar um botão que as luzes apagariam e eu voltaria a minha vida satisfatória, sem sequelas, sem registro de ocorrência? Eu não amei aquele cara. Eu tenho certeza que não. Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada.
Não era amor, era uma sorte. Não era amor, era uma travessura. Não era amor, eram dois travesseiros. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor, era de tarde. Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem medo. Não era amor, era melhor.

Martha Medeiros (mais alguém aí estava com saudade dela?)

Dulcineia

|

Quem tu és não importa, nem conheces
O sonho em que nasceu a tua face:
Cristal vazio e mudo.
Do sangue de Quixote te alimentas,
Da alma que nele morre é que recebes
A força de seres tudo.

José Saramago

Lost Souvenirs

|










Mais aqui e aqui.

Lost

|
Ainda não assisti ao penúltimo capítulo de Lost e sou uma daquelas pessoas que teceu algumas teorias sobre a ilha e seus personagens.
Admiro profundamente as pessoas que conseguem ligar todos os eventos do começo, meio e fim de cada temporada e que veem muito mais que eu em cada um deles. É que, sabe, assumi uma posição de expectadora mesmo. Tudo o que vejo em Lost aceito como uma verdade nova. Explicando: tudo sempre fez sentido. Só que esse sentido estava perdido antes. E não fiquei tentando decifrar muitas coisas, porque perderia toda a graça. E, claro, vamos combinar que tem gente bem mais competente que eu para fazer esse papel. As pessoas pesquisaram Lost. As pessoas decodificaram Lost. As pessoas traduziram Lost. As pessoas decoraram Lost. Quem quer mais?
Não sei se o fim vai trazer alguma coisa nova. Mas o novo aqui já foi feito. Como diz o ator que interpreta Jim Kwon, em qualquer espaço e tempo não vai ser possível falar da TV do século 21 sem mencionar Lost.

Nietzche for today

|
Quem não se instala no limiar do instante, esquecendo todos os passados, quem não é capaz de manter-se sobre um ponto como uma deusa de vitória, sem vertigem e medo, nunca saberá o que é felicidade e, pior ainda, nunca fará algo que torne outros felizes.

A longevidade dos profissionais de propaganda

|
Um médico saiu pra caminhar e viu a velhinha da foto sentada num banco fumando um cigarrinho.

Aproximou-se e perguntou:
- Nota-se que é tão feliz... qual é seu segredo??

Ela respondeu:
- Sou profissional de Propaganda, durmo às 4 da manhã revisando jobs, me levanto às 6 da manhã. Nos fins de semana não pratico esportes, não me divirto. Não tomo café da manhã, não almoço e nem janto porque não dá tempo.

O doutor então exclamou:
- Mas isso é extraordinário. Quantos anos a senhora tem?

- 49, lhe respondeu a velhinha!

Melhor do dia

|
Eu tenho preguiça da língua portuguesa calcada em regras mais velhas que a minha avó. E tenho mais preguiça ainda de justificar as escolhas das palavras na minha profissão. Resumindo, publicidade é linguagem coloquial sem chutar o balde. Na maioria das vezes a gente tenta colocar a regra clássica, mas tem que ver se ela dialoga com o público. Como o professor Pasquale me disse uma vez: você pode transgredir a norma, desde que seja com propósito.

Não foi o caso de uma peça que liberamos aqui que tinha a palavra melhor antes de um particípio.

Lembrando: melhor pode ser adjetivo ou advérbio:

Adjetivo
1) que, por sua qualidade, caráter, valor, importância, é superior ao que lhe é comparado.
2) que possui o máximo de qualidades necessárias para satisfazer certos critérios de apreciação.

Advérbio
3) mais bem
4) de maneira mais perfeita
5) mais acertadamente
6) com mais exatidão
7) com mais consideração
8) fazendo com mais vista
9) aquilo que é superior
10) aquilo que é adequado

Aí, uma pessoa no Twitter vem falar que não existe empresa "melhor administrada". Pior, a pessoa pede pro dono da agência contratar um revisor.

oO

Segundo o Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, do professor Domingos Paschoal Cegalla, à página 256, “antes de particípio, pode se empregar mais bem ou melhor, indiferentemente”:

Ele está mais bem informado / Ele está melhor informado
Eram casas mais bem construídas / Eram casas melhor construídas

A forma clássica, original, é a não contraída: o time mais bem colocado, as questões mais bem aceitas, a frase mais bem elaborada, os políticos mais bem instruídos. No entanto, pelo fato de mais bem ser sintetizado para melhor, a expressão se transformou com o tempo, e hoje se admite o uso de "melhor" em construções como estas:

O time que for melhor colocado terá privilégios.
Parece que agora os papéis estão melhor distribuídos em termos sociais.

Quando a pessoa tuitou sua mensagem, poderia estar com a melhor das intenções. Ou mais bem intencionada. Ou melhor intencionada, que o texto é meu e eu coloco como quiser. O fato é que não se chama de erro de português algo que gramáticos de peso já aceitam. A reforma ortográfica está aí para provar que os tempos são outros, minha gente!

Love, love, love

|

Sobre o tempo

|
O terremoto do Chile pode ter encurtado o dia em cerca de 1,26 microssegundos (um microssegundo equivale a um milionésimo de segundo). Prefiro não entender a fórmula que os cientistas usaram para fazer esse cálculo, porque, sendo bem sincera, eu desistiria da explicação num tempo aproximado a esse.
Na verdade um outro terremoto, o da Indonésia, teria encurtado o período de cada dia em 6,8 microssegundos e alterado o eixo da Terra em 2,32 miliarcsegundos (cerca de 7 centímetros, ou 2,76 polegadas).

Coisa pouca, mas que daqui a alguns anos pode fazer diferença. Pra ser bem sincera, já tô sentindo falta de qualquer coisa que seja relativa ao tempo. Foda-se o nome ou os números disso, mas a correria que anda minha vida tá digna de simplesmente não conseguir mais falar ao telefone, que era uma coisa que eu adorava. Sim, porque ou atendo o telefone ou almoço. Como dieta está fora de cogitação no momento (sim, tô proibida disso), tenho desenvolvido a estranha capacidade de mastigar enquanto leio e-mails, mando um texto que estava atrasado e fico sabendo como andam as coisas na família.

Também virei ninja na arte de conversar por chat. Juro, tem dia que são tantas janelinhas e abas piscando pra mim que fico imaginando como deve ser a vida de alguém mais interessante.
Mas não reclamo, não. Eu adoro conversar. Gosto de colocar no papel, no computador ou mesmo de jogar ao vento as coisas que penso e despenso a todo momento.

E é por isso que estou simplesmente envolvida em pelo menos cinco novos projetos (sempre quis falar isso, acho 'lusho'). É que é muito cedo para aprender a dizer não.

Carnaval

|
O que eu acho é o seguinte: todo mundo precisa aprender a virar a página. E isso define os bons leitores. Em tempos de novas mídias, redes, comunidades, as pessoas insistem em apontar seus cursores para as mesmas coisas, o que é uma verdadeira contradição. Ora, pois, não seria o momento de ver o novo, escrever outra história, principalmente se for a SUA história?

Conheço gente que vive como num disco quebrado, e não estou aqui para julgar ninguém, mas mesmo um vinil enroscado no velho toca-discos perde o charme depois de um tempo.

Aproveite o carnaval. Faça os pedidos que o ano-novo não atendeu e que eles estejam baseados em suas próprias escolhas, e não no que lhe sobrou.

Os verbos e eu

|
Cansei dos verbos imperativos. É sério.
O modo imperativo dos verbos é aquele que exprime ideias de ordem: Faça, seja, não faça, não seja. Imperar, mandar, ordenar. Que coisa mais ditadora com a vida da gente!
Acredito que todo mundo escute ao menos uma dezena de verbos imperativos todos os dias. E desde sempre.
Quando a gente ainda nem entende a força da palavra, por exemplo. A mãe bota o bebê no colo e já lasca um "nana, nenê". Assim, mandando mesmo. Caracoles, e se o cara não tá a fim de fazer naninha? Sabe? Pode estar a fim de ver um desenho na TV, ou de ficar viajando no móbile que fica acima berço.
Mas ok, alguém disse que temos que ter limites, horários, regras.
Daí vamos crescendo e os imperativos imperam de vez: "leve o casaco", "faça a lição", "chegue no horário", "não beba"!
Não sou uma pessoa que sempre fez tudo o que deu na telha, e acredito que um pouco de ordem é fundamental para não despirocar de vez. Mas a gente passa a vida inteira sendo mandado para chegar um dia e ter a liberdade de não fazer o que sempre quisemos! Porque os imperativos não deixam. Ecoam fundo em nossas almas, acorrentadas para sempre às terminações implacáveis desses verbos.
Dá-se o nome de modo às várias formas assumidas pelo verbo na expressão de um fato. Em português, existem três: indicativo (certeza, realidade), subjuntivo (possibilidade) e o imperativo.
Preciso confessar que, hoje, o que me comanda e o que me dá certezas é saber que a vida é feita de dúvidas mil e possibilidades infinitas.

"Reze pelo Haiti"

|

Caro terremoto,

Você não podia ter escolhido pior hora e lugar, não é?
No comecinho do ano, quando a gente ainda está tão
cheio de esperança.
E no Haiti, em um lugar já tão pobre e sofrido.
Para quê, me diga?
Bom, em parte, você conseguiu: estamos devastados.
Diante de tanta ruína, de tantas mortes, de tanta dor.
Mas saiba de uma coisa, senhor terremoto.
Toda a sua fúria, todo o seu poder, não abalou em nada,
nem chegou a trincar, uma obra muito preciosa.
A obra de dona Zilda Arns.
Ao contrário de você, Dona Zilda só fez construir.
Sua Pastoral da Criança está presente hoje em mais
de 20 países, trazendo esperança e futuro a milhares
de crianças.
E quer saber mais, terremoto bobo: se fosse concedido
a cada um o direito de escolher como deixar essa vida,
dona Zilda certamente teria escolhido esse mesmo:
Fazendo o bem a quem mais precisa.
Dedicando sua vida aos mais pobres.
Dedicando sua vida, enfim.
E se você se acha mesmo essa grandeza toda, espere
para ver a onda de solidariedade que vem aí.
De todo o mundo, virá ajuda, dinheiro, comida, remédios.
Prédios inteiros podem ter ruído, mas corações imensos
serão construídos.
Você pode ser grau 7 na escala Richter, mas na escala
Zilda Arns o mundo responderá com mais força.
Espere para ver.
Terremoto covarde.
Terremoto inútil.
Terremoto infeliz.
Que Santa Zilda Arns tenha compaixão de você.

Cássio Zanatta
Diretor de Criação da Africa

Retrospectiva

|
Clique para ampliar.
By Sedentário e Hiperativo.

Preguiça

|
Eu preciso falar que estou gostando muito de trabalhar na agência do Nizan. E quero dizer isso porque talvez eu não tenha mais o distanciamento necessário para poder discutir coisas sobre ele ou sobre as agências do grupo, que dizem por aí. Bom, mas também não sei se o faria, porque não faz muito meu tipo ser crítica, ainda mais de propaganda.
Tava hoje no Uol uma chamada dizendo que Nizan "ataca" Salvador. Se quiser, leia aqui.
Eu acho que as pessoas estão ficando muito chatas com essa mania de ser politicamente corretas. Qualquer hora um vai preso por fazer piada de português no elevador. Há que rir mais do mundo e de si mesmo e parar de enxergar todo comentário como ofensa. Principalmente os ditos no Twitter. Que preguiça disso...

PREGUIÇA BAIANA
Nizan Guanaes

Não gosto quando se referem à baianidade com o estereótipo da preguiça. Da falta de sofisticação.
Pierre Verger fotografou a Bahia, e os corpos que ele retratou são peitos, troncos e bundas enrijecidas pela história e pela vida dura.
São homens açoitados pela escravidão. A Bahia é graça, prazer, leveza, mas ela é também luta. O Brasil ficou independente com um grito em 1822. A Bahia teve que lutar, morrer e vencer para expulsar de vez os portugueses em 2 de julho de 1823.
Castro Alves, o maior poeta brasileiro, morreu aos 24 anos, deixando uma obra imensa. Ou seja, trabalhou muito para deixar tanto em um tempo tão curto de sua existência.
Todos os anos o povo da Bahia anda 12 quilômetros com potes de água na cabeça para lavar as escadarias de nosso pai, Oxalá.
No Carnaval baiano, enquanto milhões se divertem, milhares trabalham dia e noite cantando, tocando, vendendo, para que o nosso povo e gente de todo o mundo possam se divertir.
Além disso, quem construiu todas aquelas igrejas, aqueles fortes, monumentos? Nós. Quem colocou cada pedra no Pelourinho? Nós. Quem foi açoitado no tronco que deu ao Pelourinho seu nome? Nós. Quem escreveu músicas, filmes, encenou, pintou, esculpiu parte significativa da produção artística deste país?
Ano após ano, década após década? Nós, os baianos.
Joana Angélica, Maria Quitéria são ruas no Rio de Janeiro, mas na Bahia são sofrimento, luta e heroísmo.
A Bahia é luta, mas ela compreende que a vida não é só isso. E não é. E é por isso que essa tal Baianidade atrai em todas as férias e feriados estressados de todo o mundo.
Na costa da Bahia, o melhor conjunto de resorts do Brasil foi construído para que você possa experimentar o melhor da vida, e a gente trabalha enquanto você descansa.
O reitor Edgard Santos, baiano de boa cepa, fez uma das significativas obras de produção acadêmica e cultural, com contundente dedicação.
Lamento que a Bahia seja tão amada, tão exaltada e tão pouco compreendida.
Todos aqueles coqueiros e boa parte das frutas e especiarias que a Bahia tem não nasceram ali: vieram de outras índias e foram plantados pelas mãos calejadas do povo da Bahia.
Mas o mundo é de percepção. E, lamentavelmente, as novas gerações, por incompetência nossa, herdaram a parte mais vulgar, mais inculta, mais básica e folclórica desta baianidade.
Cabe a nós, os velhos, passarmos pela tradição oral, que é de fato Baianidade.
E lembrar a quem dança na Bahia que, enquanto ele dança, alguém toca. Que enquanto ele reza, alguém constrói igrejas.
Ou seja, na Bahia o trabalho é voltado para o lazer e encantamento do mundo.
E toda vez que você chegar estressado e branco e sair moreno e feliz, chegar descrente e sair otimista e apaixonado, nosso trabalho, nosso papel no mundo estará sendo cumprido.
Baianidade é enfrentar a dura vida de uma maneira que ela pareça menos dura e mais vida.
E para que exerçamos a plena Baianidade, é preciso que entendamos plenamente do que é que somos orgulhosos.
Sou orgulhoso da Bahia mãe de Menininha, Cleusa, Carmem, Stella, do grande Obarain e de Padre Sadock, Padre Luna e Irmã Dulce.
Sou orgulhoso da Bahia de Ruy Barbosa, Glauber, - estilos diversos da mesma paixão baiana que nasceu no 2 de julho.
Sou orgulhoso de Gil, Caetano, Bethânia, Gal, de Jorge, meu amigo amado.
Sou orgulhoso de Caribé, Verger, que não nasceram na Bahia, mas a Bahia nasceu deles.
Sou, enfim, orgulhoso dos filhos da Bahia. E por isso sou tão orgulhoso do Brasil.
O Brasil é o maior filho da Bahia. Ele nasceu lá no dia 22 de Abril de 1500 e é por isso que os brasileiros ficam tão felizes quando vão à Bahia. Porque eles estão, na realidade, visitando os parentes, revendo suas raízes.
Baianidade é enfim o DNA do Brasil, é o genoma do país.
Quando o Brasil vai à Bahia, ele volta para casa.
|