O diabo do atendimento

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Preciso deixar registrado aqui meu grito de protesto. Sabe essas tabelas da Copa que provavelmente você ganhou em todos os estabelecimentos ao consumir alguma coisa? Então, algumas delas estão erradas. E digo mais: a culpa NÃO é do revisor. Sim, porque a maioria das pessoas vai culpar esse pobre profissional, rindo com o cantinho dos lábios, ou, ainda, vai dizer que ninguém revisou o material.
Estou aqui, hoje, para provar que isso é mentira. Sou a prova viva, ambulante e absolutamente revoltada disso. Sabe por que? Aqui na agência onde trabalho, é óbvio, um cliente (dos grandes) resolveu fazer sua tabelinha (ficamos surpresos por não termos que fazer para todos os benditos clientes). Lá veio a ela, com os países separados por grupos e os jogos, com data, hora e os nomes das cidades.
Não é fácil revisar um trabalho desses, meus amados. Primeiro, porque é uma verdadeira aula de geografia procurar os nomes corretos, e em português, de países que, por exemplo, no meu tempo de colégio eram conhecidos como Tchecoslováquia. Que agora se separou e virou a Eslováquia (que não joga) e a República Checa (uma notinha cretina: o manual mais usado pelos revisores adota essa grafia. A Globo também. Mas ninguém aceita, o que nos obriga a consultar o Houaiss. Tá lá: República Checa é o mesmo que Tcheca. Existe também a forma Chéquia. E eu, cansada desse assunto que já beirava a baixaria, tendo que explicar para o pessoal do Atendimento que coisas assim acontecem com a nossa língua). Sem falar que as referências traziam no grupo H um país chamado Ucrácia. Mas não pára aí. Lembrem-se, a Copa é na Alemanha. E os nomes de cidades como Kaiserslautern e Gelsenkirchen, há três meses, não eram familiares como agora, Ich muss mich entschuldigen!
Mas, depois de tanto trabalho e alguma pesquisa, coisa que eu adoro fazer, liberei o material, cuidadosamente revisado, e orgulhosa de participar um pouquinho da Copa, nem que fosse assim. Porém, como todo mundo que trabalha com propaganda sabe, houve uma alteração. E lá vai a tabela para a Criação diagramar com dois tapinhas para a direita e dois para a esquerda. E o cliente pede para aumentar o logotipo. O básico de sempre, que me faz acreditar que posso ser Criação ou cliente assim que eu quiser. E lá vem a tabela para a revisão mais uma vez. Com uma ressalva: usar uma nova referência, com os nomes dos países, datas e locais de jogos corretíssimos. Praticamente uma tabela da Fifa. Oba, agora sim, nada de Ucrácia.
Quando aparecem jobs desse naipe, eu costumo abstrair tudo ao meu redor. Desligo o MSN, não escuto nem o cara do retoque me pedindo desculpas por ter me chutado por debaixo da mesa mais uma vez. Fico ali, eu e a tabela, contando letrinha, imersa na profusão de vogais, consoantes e números, com o medo, sempre ele, de errar. Afinal, é pensando nessa verdade que o revisor trabalha. O medo e o erro são o combustível do revisor.
Meses depois, nas oitavas-de-final, corre a loira do Atendimento gritando: a tabela está errada! Milhões de cópias distribuídas. O nome do cliente em jogo! E de quem é a culpa? Da revisão.
Foi uma bela discussão. A loira dizendo que, onde já se viu, trocar nomes e jogos da Copa do Mundo! A Tráfego correndo atrás da CPI do job. E eu quieta, esperando o show acabar. Porque tem uma coisa: revisor sabe onde erra. E eu poderia errar num nome, mas não me atreveria a trocar partidas inteiras, comprometendo as oitavas e quartas-de-final. Nem que fosse para ajudar o Brasil!
Então alguém levanta a referência. Aquela “corretíssima”. Em agência de propaganda, existe uma coisa chamada “o diabo de plantão”. A gente usa essa expressão para quando, mesmo com todo o cuidado, alguma coisa sai errada. Parece que, no caso dessa tabela, o belzebu estava na cola do Atendimento. Porque foi ele quem passou a referência errada, erradíssima. Na alteração pedida pelo cliente, a Criação usou uma tabela diferente da primeira, tirada de não se sabe onde (o povo da Criação é meio pirado mesmo), e imprimiu como sendo a versão final e verdadeira para a loira do Atendimento anexar ao job escrevendo em letras garrafais: dados corretos. E assim, o pobre revisor é enganado e revisa feliz um trabalho que já está condenado. Sem ao menos sonhar que aquela primeira versão, antes da alteração, era a certa. É nisso que dá mexer com time que está ganhando.

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