Para mim, um espresso sem pressa

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Ser revisora é, antes de mais nada, ser compreensiva com quem não é. Não costumo ser chata com a língua portuguesa, não reviso conversa de MSN e e-mails de amigos e me permito errar sempre que a situação permitir (inclusive aqui no blog), pois de chatos já bastam os gramáticos. Ninguém tem todas as respostas e eu acredito que revisor bom não é aquele que sabe tudo, mas o que sabe procurar nos lugares certos, além de saber adequar a linguagem ao contexto em que está inserida.
Por isso, quando ontem me chegou um cardápio de uma lojinha de um dos clientes para revisar, eu previ que teria problemas com o café. Adoro café, ainda mais se for feito na hora! Não é sempre que tomo, tenho que confessar, mas em certas épocas ele me é essencial para agüentar um dia cheio. Na verdade, o que gosto mesmo é de entrar em cafeterias e tomar calmamente alguma bebida quente enquanto folheio revistas e jornais sem nenhuma pressa.
Justamente por isso, em por ter tido a oportunidade de ter entrado em cafeterias famosas em alguns lugares diferentes, eu sempre observei o cuidado com que nelas os grãos são transformados naquela coisa fumegante e perfumada. E, como revisora que sou, sempre me atentei para a grafia da palavrinha que acompanha o café mais famoso do mundo: espresso. Sim. Com S. Porque vem do italiano: caffè espresso. Particípio passado do verbo ‘esprimere’ (espremer). Em outras palavras: café espremido, porque nesse tipo de bebida é retirado sob pressão.
Aí vem a parte ‘ser compreensiva’. Ou prever o futuro. Eu não imagino que todas as pessoas com quem trabalho tenham o hábito de ler e se atentar para esses detalhes lingüísticos. Também acho que muitas dessas pessoas simplesmente estão tão preocupadas com prazo e com seus clientes, que perdem o meio do caminho, ou seja, na pressa e na ânsia de chegar a um resultado, se esquecem da parte mais importante. E o mais triste é que algumas delas acabam vivendo assim. Atropelam quem estiver na frente, cegas de ansiedade, sem reparar naquele ou naquilo que estava todo o tempo do seu lado.
Não sou de fazer barulho. Acho realmente uma pena trabalhar e ver gente assim achando que faz o maior sucesso. Sou da turma dos calados e dos que ouvem mais do que falam. E leio o tempo todo, não só por esse ser o meu trabalho, que sorte. Leio porque sou leitora, absorvo palavras bonitas e feias, “histórias e estórias” o tempo todo, onde quer que eu vá. E foi num dia chuvoso como o dia de hoje que fui tomar um café e vi que na parede do lugar havia a seguinte frase: café espresso não é o café feito ou para ser tomado rapidamente. Bingo. É por isso que não é expresso. Achei isso a coisa mais linda do mundo, porque não há nada melhor do que saborear o momento, curtir as coisas sem a pressa massacrante do dia-a-dia.
Sabendo de todas essas coisas, ousei trocar no tal cardápio o café expresso pelo espresso, achando que assim salvaria o mundo. Digo ousei, porque sabia que faria alarde, mesmo depois de ter explicado à pessoa responsável essa historinha. Hoje, chegando à agência, leio um e-mail triste, com o título de URGEEEEEEENTE, de uma dessas pessoas que atropelam, e que não havia participado do processo, dizendo que está erradíssimo. Sabe, a menina é viajada, teve oportunidades na vida que nem eu mesma tive. Vira e mexe está no exterior, deve conhecer a Itália e ter entrado em muito mais Starbucks que eu. Vá se ralar (***MOMENTO GROSSERIA DETECTED***), não é mesmo? Primeiro porque nem ao menos ela se deu ao trabalho de procurar a razão pela qual os revisores trocaram a grafia de um produto (deve ser porque a gente gosta de ficar inventando moda, somos muito criativos e redatores frustrados). Segundo porque ela não aceitou a primeira resposta que dei, com a maior paciência do mundo, e foi procurar nos dicionários do UOL a palavra. Não encontrando (lógico, porque a palavra é italiana), me pediu mais referências do que eu estava falando (quis dizer a ela que minha referência era a vida e tudo o que eu tiro dela sem correr esbaforida fingindo que sou uma executiva). E finalmente porque, depois de convencida a moça, ainda não recebi um feedback (atendimento adora esses termos) e sequer um telefonema, coisa que provavelmente não vai acontecer, posto que rinocerontes não costumam parar pra esse tipo de frivolidades.
Penso que se ela não prestou atenção nunca na vida que o café era espresso, é porque o dela sempre foi expresso.

5 comentários:

Raoní disse...

IM BACK

Patileide disse...

Discordo totalmente do segundo parágrafo. Prá mim VOCÊ sabe tudo e quem sabe procurar sou EU quando te ligo pedindo socorro.
hehehehe
PS. Olha só como meu namorido é um gênio, frase dele no msn:
Do Latim - Bambis Saltitantis = São-paulinos felizes.
Tá contente amiga?

Raoní disse...

cafe amarela os dentes....

lesadopelogolpe disse...

O texto é muito bom, a experiência é daquelas ridículas e infelizmente rotineiras.

Mas eu gostei demais desse.

hehehe.
Tou na área.

Anônimo disse...

Parabens, otimo texto sobre Espresso.