Gabriel Perissé, em seu excelente texto “Oços do Ofíssio”, lembrou que Monteiro Lobato costumava dizer que a tarefa do revisor é das mais ingratas. Que o erro se esconde durante o processo de confecção do livro para, depois de tudo pronto, aparecer na primeira página aberta, como um saci danado, pulando, debochando do profissional.
Eu penso, e aprendi na prática de anos revisando peças publicitárias, que não podemos ser radicais e que nem todo redator domina com propriedade a gramática da Língua Portuguesa (se fosse assim, digo que teria começado como redatora de uma vez), quiçá outros idiomas, tão presentes na comunicação brasileira, assim como os neologismos, regionalismos e gírias das mais variadas.
Confesso que quando comecei era mais exigente. Mas com o tempo relaxei e aprendi que algumas vezes os erros são propositais e uma tentativa de aproximar-se do público-alvo. Mas que fique claro: essa transgressão da norma, uma “licença-publicitária”, só é aceita quando a peça exige. Todo o resto continua sendo sinônimo de que você fugiu daquela aula de Português e motivo de vergonha mesmo.
Sendo assim, listei aqui os dez erros gramaticais mais comuns que venho encontrando em propaganda, entre publicitários e em mesas de bar. Se por algum acaso do destino você pretende ser redator, recomendo ainda ter em mãos dois bons dicionários (Aurélio e Houaiss, que nem sempre concordam em tudo) e o Manual de Redação do Estadão, além de saber alguma coisa sobre o professor Pasquale e o Sacconi.
1- Pra mim fazer.
Eu poderia explicar que ‘mim’ não pode ser sujeito, mas prefiro dizer que falar assim é imitar os índios de algum filme bobo da Sessão da Tarde. É feia, mas grave a seguinte contração: “preu fazer”. Depois, aos poucos, vá soltando o ‘pra’ do ‘eu’. Pra eu fazer. Pra eu levar. Pra eu (qualquer verbo no infinitivo).
2- Venda à prazo.
Ahhhhh, a crase. Essa palavrinha que não significa um acento, mas sim um encontro. Explico: crase nada mais é que a junção de dois ‘as’. Um é a preposição. O outro é o artigo.
Vou à casa da minha mãe = Vou a (prep.) a (artigo) casa da minha mãe.
Veja no masculino: Vou ao banco = Vou a (prep.) o (artigo) banco.
Por isso não existe crase antes de palavra masculina.
3- Esse senhor, é meu pai!!!
Pontuação não é respiro. Vírgula serve, na maioria dos casos, para separar elementos de uma oração que tenham a mesma função sintática. Por isso, force-se um pouquinho para entender quem é o sujeito, quem é o predicado e não bote entre eles esse sinalzinho gráfico. Também não faça uso de exclamações em excesso, reticências a toda hora e essas coisinhas que a gente adora fazer em conversas de MSN.
4 – Erros de dijitassão e erros de ortogafia.
São muito comuns e pegam até mesmo os mais atentos revisores. Isso acontece porque costumamos a antecipar a leitura das palavras. Uma boa dica para revisores: faça a leitura de sílaba por sílaba e marque com um lápis ou mentalmente as já lidas. Para os redatores, antes de aplicar o texto no layout ou em arte-final, escreva-o no word e use o corretor ortográfico. Seja revisor de si mesmo e peça ajuda sempre.
5 – Wrong traduciones.
Muito cuidado com estrangeirismos e palavras em outros idiomas. Muitas vezes elas não são o que parecem e podem provocar uma saia-justa internacional. Trabalhei em uma agência que traduziu o slogan de uma famosa companhia aérea pro francês, “Vous êtes né pour voler”, sem saber que o verbo ‘voler’ (voar) também significa roubar, em francês. “Você nasceu para roubar” não seria mesmo uma coisa apropriada, e a sorte de todos foi que o revisor era curioso o suficiente para ligar para uma amiga que conhecia o idioma.
6 – Obrigado(a).
Não tem erro: meninos dizem obrigado. Meninas dizem obrigada. E os simpatizantes podem escolher!
7 – Super legal.
O maior problema entre revisores, redatores e diretores de arte. Isso acontece porque o redator cria o título assim, com as palavras separadas. O texto é aprovado e o diretor de arte transforma em imagem vetorizada. O cliente aprova e a arte-final chega para o revisor avisar pela enésima vez que ‘super’ é prefixo e que, portanto, a palavra correta, por mais estranha que possa parecer, é ‘superlegal’. Quanto vocês querem de aposta que ela vai sair errada e separada?
8 – Regência verbal (hãn?).
Nesse momento a gente precisa voltar um pouquinho àquela aula do colégio. Que raio vem a ser isso? Bem simples: é a relação de dependência que um verbo estabelece com seu complemento. Ou em outras palavras: que preposição usar (ou não) com cada verbo.
É um pouco chato, mas lembre-se dos casos mais famosos: :’ir/chegar a’ (e não ‘em’). ‘Assistir ao filme’ (‘assistir o filme’ significa dar assistência).
9 – Eles tem razão.
Verbo também tem plural. ‘Eles têm razão’ e ‘eles vêm aqui’.
10- Vícios de linguagem.
Umas das piores coisas, e que a gente dificilmente achará em gramáticas e dicionários, é saber controlar os próprios erros. Termos como ‘a nível de’ e gerundismos em geral (do tipo ‘vamos estar retornando sua ligação’) são consagrados como exemplos do que não fazer, como não escrever e nunca, em tempo algum, repetir. Como saber disso? Não tem jeito: lendo, lendo, lendo. Leia coisas ruins, leia coisas boas e, sobretudo, saiba encontrar a diferença.
É isso. Espero que não tenha atrapalhado muito. E não revisem esse texto.
5 comentários:
eu realmente adorei essa postagem!
quero agradecer!
TEADOROGAROTA! =)
O que mais me irrita nessa lista é o uso incorreto da vírgula. Aparece nos textos dos maiores fodões, parece um mundo louco. O que mais me constrange é o caso dos prefixos como super, que sei estarem errados mas permanecem em nome de um melhor layout. Adorei o termo "licensa-publicitária"!
Opa! Revisei meu comentário e achei uma licença mal-grafada. Mal, aê.
Tirei algumas dúvidas.
Adorei.
Como sempre, obrigada pelas visitas!
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