Eu e a Sam (ou Tequila e Mel) nos conhecemos nos nossos primeiros empregos aqui de São Paulo. Sim, porque, além das milhares de coincidências que fazem com que as pessoas nos perguntem todo santo dia se somos irmãs, também somos criaturas vindas do interior e incapazes de pronunciar frases como "carne morta atrás da porta" sem entregar nossas origens.
Tudo começou na Energia, Young & Rubicam, um braço da Y&R que fazia o cocô do cavalo do bandido da publicidade. Passávamos noites revisando preço de azulejo e massa corrida. Mas era muito bom, tenho que confessar. Por vezes eu me peguei pensando que era isso que eu queria fazer da minha vida. E assim começou essa trajetória, há exatos 10 anos. Depois que a Sam saiu da Energia, fui trabalhar na Young & Rubicam mesmo, dentro da criação. Com a ajuda da Rita Corradi, VP da época, comecei a pegar alguns jobs como redatora também. Mas logo pintou uma vaga legal na Lowe, e então foi minha vez de mudar. Quem trabalhou na Lowe sabe: nunca houve uma agência como aquela. A verdadeira casa da mãe Joana era ali. E a gente trabalhava muuuuuito, mas ria muuuuuito também. Virávamos noite liberando anúncios de Renault, mas a fuleiragem era tanta, que acabava virando balada. Fiz ótimos amigos ali, que vou carregar para sempre no coração.
Bom, anos depois, se a Sam, a essa altura do campeonato, voltava para a Young, em São Caetano do Sul, tinha que acontecer comigo também. Fui chamada de volta para a sede de São Paulo, dessa vez comandada por Roberto Justus. Acho que essa Young foi o maior desafio da minha vida. Digo que quando completei 30 anos uma chave virou dentro de mim e tudo mudou. Enquanto me redescobria e alguns setores pessoais ruíam de vez, trabalhava feito louca e chegava chorando em casa. Definitivamente, eu odiei esse tempo. Não foi legal, mas hoje sei que não tinha a ver com o trabalho. Era eu mesmo.
Então mudei tudo. Mudei de casa. Mudei de corpo, mudei de trabalho. Virei redatora em uma agência menor. E por isso mesmo nunca deixei de revisar. Foram dois anos criando. Bem bacana, aprendi muito mesmo. Mas aprendi, inclusive, que redatora eu nasci. E que de vez em quando faz bem seguir seus instintos. Foi quando, numa tarde de maio, recebi duas propostas para voltar para a revisão. Duas. Seguidas. E então aceitei a da Africa, que é onde estou hoje. Ah, e dois meses depois o que aconteceu? Chamei a Sam para trabalhar aqui. Recomeçar qualquer coisa é sempre um ano-novo dentro de cada um de nós.
Bom, tudo isso foi mesmo para explicar como chegamos aqui. É que muita gente não conhece bem o trabalho de revisão em agência de propaganda e por isso vale a pena deixar algumas dicas.
- Se você é daquelas pessoas que leem tudo o que passa pelas mãos, tipo rótulo de shampoo durante o banho, caixa de cereal matinal no café da manhã e texto legal do rodapé da promoção, we want you! Um revisor nato faz coleção de dicionário como a Sam ou de gramática como eu.
- Não importa sua formação acadêmica. Para ser um bom revisor, você precisa mesmo é ter tido uma boa base de educação (acho que isso vale para muitas profissões). Não pode ter faltado na aula de análise sintática de forma alguma, que isso faculdade nenhuma ensina direito (e eu fiz Letras, hein?). Precisa lembrar de quem é o sujeito, o predicado, de como pontuar corretamente e o que é a crase de verdade. Não adianta muito ter feito uma monografia em linguística, porque no dia a dia você vai precisar mesmo é decidir em um espaço muito curto de tempo se usa próclise ou mesóclise e se uma oração é explicativa ou restritiva. Geralmente com gente gritando "cadê o anúncio?" e com o jornal rodando na gráfica.
- Conhecer bem o que é publicidade é pré-requisito. Eu confesso que quando fui parar no meu primeiro emprego me perguntei por dias quem era Young e quem era Rubicam. Hoje reconheço um óculos de aro grosso a metros de distância e sei que promoção agora se chama ativação. Um curso rápido ajuda, mas nada como viver um tempinho dentro de uma agência de verdade (quer aprender pra valer? Comece em agência pequena, onde todo mundo faz tudo).
- Revisor não lê. Conta letrinha.
- Siga o professor Pasquale, o Novo Houaiss e a Academia Brasileira de Letras no Twitter. Se não sabe o que é Twitter, procure outra profissão.
- Corra imediatamente atrás de um curso sobre o novo acordo ortográfico. Tá tarde, mas ainda dá tempo.
- Você pode ser revisor, mas será também publicitário. Desista das regras mais sisudas da Língua Portuguesa, mas insista no que é certo. Lembre-se que a linguagem é coloquial, mas não precisa ser assassinada.
- Não despreze a tecnologia. O revisor do Word é ótimo para pegar erros de digitação. Saiba usar os marcadores dele e do Adobe Professional também. E, de preferência, num Mac!
- Conforme-se em trabalhar em horários estranhos, com gente esquisita e louca. Em pouco tempo você se torna uma delas.
- Manual de Redação e Estilo - O Estado de S.Paulo - leia, decore, filtre, mas use sempre. Enquanto não lançarmos o Manual do Revisor Publicitário, a bíblia é essa.
- Dicionários de Regência, Celso Pedro Luft - só ele sabe por que se chega a um lugar e se assiste aos filmes.
- VOLP - registro oficial das nossas palavras. A versão atualizada já apresenta dia a dia sem hífen e as demais alterações do novo acordo ortográfico.
- Livros do Pasquale. O cara é bacana, pode acreditar. Principalmente porque está atento a muitas das mudanças que a língua sofre na linguagem popular.
- Livros do Sacconi. O cara é mais chatinho, mas a gente precisa ter essa base.
- Dicionários (prefiro o Houaiss) e gramáticas (gosto da do Celso Cunha).
- Cursos da Universidade do Livro.
- Cursos do Senac.
- Cursos da ESPM.
E, para encerrar o post, nada como um exemplo ilustrado de onde o erro engana o olho até dos mais atentos revisores (em tempo: não fomos nós, ufa).